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MUITO ALÉM DE UMA CONSCIÊNCIA

Neste texto reflexivo, o autor aborda a importância da independência financeira ao se inspirar em histórias de escravos no Brasil que, em meio à adversidade, encontraram formas de poupar para conquistar sua liberdade.

Lécio Simões

11/21/20243 min read

Muito Além de uma Consciência - Dia da Consciência Negra

Toda vez que penso no Dia da Consciência Negra, não consigo deixar de lembrar de histórias do passado conectadas à luta por liberdade e também às finanças pessoais. São histórias de angústia, dor e injustiça, onde negócios impiedosos se misturavam com uma falta total de amor e empatia. Essas histórias fazem parte da vida dos meus ancestrais.

Lembre-se de que o escravo era considerado um objeto aos olhos do mercado e, como tal, tinha um preço específico. Se alguém, ou o próprio escravo, quisesse conquistar a liberdade, era necessário pagar esse valor. Essa história do passado envolve tanto a liberdade de vida quanto a financeira — duas liberdades que estão profundamente relacionadas.

Contudo, essa conquista não era algo comum nem fácil, e é importante evitar romantizações; na prática, essa era uma possibilidade acessível apenas para alguns. Foi só após a Lei do Ventre Livre, em 1871, que os escravizados passaram a ter chances, ainda que limitados, de iniciar suas economias para essa conquista.

Há muitos artigos, documentos e relatos sobre o tema. Entre esses registros, a documentação da Caixa Econômica, ainda pouco estudada, revela um tesouro histórico: cadernetas de poupança número 43.

Um exemplo é a caderneta de poupança número 43 da Caixa Econômica de São Paulo, datada de 1875, que transferiu a Judas, escravo de Manuel de Andrade. No formulário bancário, usava-se a palavra “senhor” antes do nome do depositário, mas, no caso de Judas, a palavra foi riscada — sua condição de escravo impedia que ele fosse tratado formalmente. Judas, então com 54 anos, hortelão, casado, morador de São Paulo e analfabeto, conseguiu juntar 24 mil réis. Um valor ainda muito distante do preço da alforria à época.

“Pelos valores registrados nas poupanças, vemos que era muito difícil comprar alforria com base nesses depósitos, mas há, sim, uma relação entre essas poupanças e a compra da liberdade”, diz a historiadora Keila Grinberg. Esses registros representam uma forma de resistência à escravidão. Os escravizados encontraram-se com brechas para entrar no sistema financeiro e juntar algum dinheiro, apesar de todas as restrições impostas a eles”, afirma o historiador Thiago Alvarenga, professor da Universidade Federal Fluminense e um dos responsáveis ​​pelo resgate do arquivo das cadernetas de poupança do século XIX da Caixa Econômica.

Na pesquisa de Alvarenga, há também um caso fascinante: o de um homem escravizado que acumulou uma poupança de 4 contos de réis, valor mais do que suficiente para garantir sua liberdade. “Pode ser que ele estivesse juntando dinheiro para libertar outros membros de sua família”, especula o historiador.

Há ainda cadernetas da Caixa mostrando saques destinados à compra de alforria. Um desses casos é o de Margarida Luíza, escrava de Joaquim José Madeira, cuja conta foi encerrada três anos após a abertura com a retirada de 353 mil réis acumulados para a compra de sua liberdade.

Essas histórias nos mostram o sacrifício necessário para poupar algo tão essencial quanto à própria liberdade. Na melhor das hipóteses, essa economia tinha o direito de fazer o que queria com seu tempo, energia e pensamento.

Essas histórias fazem parte da minha ancestralidade e de muitos brasileiros. Acredito que todos devemos buscar a liberdade financeira e nos libertar da escravidão moderna ao consumo e ao endividamento, que nos tornam prisioneiros de segurança,

Precisamos ser verdadeiramente livres para realizar aquilo que mais amamos. Nosso trabalho deve ser uma ferramenta para alcançarmos algo maior e não uma prisão criada pelos nossos próprios hábitos.

Planeje-se, valorize o dinheiro e busque a liberdade.

Seu amigo, Lécio